A história da música gospel no Brasil é também a história de fé, coragem e visão de pessoas que acreditaram que a adoração poderia ir além dos templos.
Desde os vinis e fitas K7 até o streaming, gravadoras cristãs foram as pontes que levaram o som do altar para os ouvidos do mundo, revelando talentos, estruturando ministérios e consolidando um dos maiores mercados fonográficos do país.
As pioneiras que abriram o caminho
Nos anos 1970 e 1980, quando o termo “música gospel” ainda não era amplamente usado, surgiram selos que se tornariam pilares do segmento.
A Gravadora Bom Pastor, fundada em 1971 por Elias de Carvalho, foi uma das mais antigas e influentes. Lançou nomes como Cristina Mel, Luiz de Carvalho, Denise, Eduardo e Silvana, Armando Filho e a Banda Azul.
A gravadora foi pioneira ao trazer ao Brasil artistas internacionais como Amy Grant, Michael W. Smith e Petra, abrindo caminho para o intercâmbio da música cristã mundial.
A Doce Harmonia, fundada por Admar Sarmento e Francisco Silva (Rádio Melodia), também marcou época. Nos anos 1970 e 1980, tornou-se a gravadora evangélica mais popular do país, lançando Ozéias de Paula, Jair Pires, Luiz de Carvalho, as duplas Otoniel & Oziel e Jair & Hozana, além de conjuntos como Rebanhão e Catedral. O LP “Mais Doce que o Mel” (1981), do Rebanhão, é considerado um divisor de águas na música cristã nacional.
A Som & Louvores teve papel decisivo na expansão do louvor congregacional, lançando Cassiane, Mara Lima, Sérgio Lopes e J. Neto.
Já a Gravadora Belém, fundada em 1980 pelo pastor Nascimento Leão dos Santos, foi referência no segmento pentecostal, com artistas como Lauriete e Eliane Silva.
A “A Voz da Libertação”, criada em 1971 pelo missionário Davi Miranda, também foi importante nesse início. O primeiro lançamento foi um disco de oração do próprio missionário, e mais tarde o selo que hoje se chama “MC Music”, lançou suas filhas Débora e Léia Miranda.
A Gravadora Novo Tempo, que nasceu como “Voz da Profecia” ainda na década de 1960, foi o berço de grupos como Arautos do Rei e de nomes como Fernando Iglesias, Josué de Castro e Sonete. Tornou-se o principal selo adventista do país e segue ativa até hoje.
Os anos 1990 e a era da consolidação
A década de 1990 marcou a profissionalização da música gospel e o nascimento de gravadoras que transformariam o mercado.
A Gospel Records, ligada à Igreja Renascer, apresentou ao país Soraya Moraes, Oficina G3 e Fruto Sagrado, abrindo espaço para estilos contemporâneos como o pop e o rock gospel.
A Line Records, da Igreja Universal, alcançou sucesso nacional ao lançar Mara Maravilha, Melissa, Thalyta (com o sucesso “Derrota Não é Coisa de Cristão”) e o fenômeno Regis Danese, com “Entra na Minha Casa”.
A Grape Vine lançou o primeiro álbum solo de Aline Barros (“Sem Limites”, 1995), além de Denise Cerqueira e Rayssa e Ravel (“Chuva de Felicidade”).
A Rocha Eterna lançou álbuns de Shirley Carvalhaes, Elzi Pereira, Terezinha de Jesus entre outros
A Nancel Produções, lançou o primeiro disco da Fernanda Brum “Feliz de Vez”, Denise Cerqueira “Ererno Amor”, Lilian Franco, Rose Nascimento “Cinco Letras Preciosas”, Mattos Nascimento “Rei dos Reis” entre outras
A Louvor Eterno, comandada por Mara Lima, apresentou Marcelo Dias & Fabiana e Suellen Lima, e o fenômeno “Sabor de Mel” de Damares do CD “Apocalipse”.
A Praise Records, gravadora de Lauriete fundada em 1997, revelou novos artistas e consolidou o estilo pentecostal como Elizângela de Paula e Shirley Kaiser.
Nos anos 1990, também ganharam força gravadoras como a Zekap Gospel (com Pâmela, Rose Nascimento, Sérgio Lopes e Val Martins), a Art Gospel (que lançou Shirley Carvalhaes – “Há uma Saída”) e a Clevan Music, que trabalhou álbuns de Cristina Mel.
Patmos Music que foi fundada no final início dos anos 2000 e que hoje se chama CPAD Music, faz parte da CPAD – Assembleias de Deus e foi responsável pelo sucesso de Eliã Oliveira com “Gideão e os 300”, Lilian Paz, Alice Maciel, Vitorino Silva, Sumara Santos entre outros.
Artistas que viraram empresários da fé
Com o amadurecimento do mercado, vários artistas decidiram criar seus próprios selos para apoiar novos talentos e ter mais autonomia em seus lançamentos.
A cantora Mara Maravilha, após sucesso nacional na TV e na música, fundou a Maravilha Produções, selo que investiu em novos nomes do gospel, como o grupo Vocalize, formado por Jairo Bonfim e suas irmãs.
A AB Records, fundada por Aline Barros em 1999, relançou o disco “Sem Limites” e trabalhou com Nádia Santolli, Os Nazarenos e Carlinhos Félix.
Já a cantora Elaine de Jesus criou a Cristo Vencedor, responsável por lançar Clebiane, Suellen de Jesus e Danielle Cristina, que eternizou “Deus Tu És Santo”.
Os anos 2000: a era de ouro do CD
A virada do milênio trouxe a explosão das vendas físicas e o fortalecimento das rádios evangélicas. Foi quando o gospel se tornou um dos gêneros mais vendidos do país.
A MK Music, fundada pela família Oliveira em 1987, se consolidou como a maior gravadora gospel do Brasil, lançando Eyshila, Fernanda Brum, Bruna Karla, Anderson Freire, Jozyanne e, mais recentemente, Maria Marçal, um dos maiores fenômenos da nova geração.
A Graça Music, do missionário R.R. Soares, revelou Thalles Roberto e Sarah Beatriz, enquanto a Central Gospel Music, do pastor Silas Malafaia, apresentou ao país Nani Azevedo.
A Top Gospel, ligada à Rede Melodia, criada em 1996, cresceu ao lançar CDs a preços populares (R$ 6,90 a R$ 9,90), o que aumentou seu alcance nas igrejas e feiras cristãs.
A entrada das gigantes seculares
Durante o auge dos CDs, as grandes gravadoras do mercado secular descobriram um detalhe que mudaria a história: o público evangélico não comprava CDs piratas. O “crente” fazia questão do produto original e as multinacionais viram ali um público fiel e gigantesco.
A Sony Music consolidou Damares no mercado nacional e apresentou Gabriela Rocha e DJ PV.
A Universal Music trouxe em seu cast Eli Soares, Gabriela Gomes e o Renascer Praise.
A Warner Music apostou em Willy Gregory (filho de Peninha) e Anayle Sullivan.
Já a Som Livre, pertencente ao Grupo Globo, montou um elenco com Ludmila Ferber, Daniela Araújo, Rose Nascimento, Andrea Fontes, banda Som & Louvor, André Valadão entre outros.
A era digital e o novo cenário
Com o declínio do CD e o avanço do streaming, surgiram gravadoras e distribuidoras com modelos inovadores, focados no digital e na gestão artística.
A Todah Music, fundada em 2012 por Osmar Goulart e Alessandro Porfírio tornou-se o maior fenômeno das plataformas digitais, acumulando mais de 5 bilhões de visualizações só em seu canal do YouTube fora os streams, sendo responsável por revelar artistas como Valesca Mayssa, Stella Laura, Sued Silva, Jessé Aguiar, Vitória Souza, Kellen Byanca entre outros. Ficaram conhecidos como a gravadora que mais revelou novos talentos em pouco tempo na era digital.
A Musile Records, criada em 2013 por Ricardo Carreras (a partir da distribuidora Aliança), destacou-se por seu foco em distribuição digital e remasterização de catálogos. Em seu início lançou Heloisa Rosa, Vanilda Bordieri e Vineyard Music Brasil, e revelou artistas como Isadora Pompeo, Júlia Vitória e Thaiane Seguetto.
A Onimusic, fundada em 2004 pelo casal Nelson e Christie Tristão em Minas Gerais, foi precursora do modelo de agregadora cristã. Hoje, tem em seu cast artistas como Isaías Saad, Gabriel Guedes, Nívea Soares, Gabi Sampaio, Gabriela Rocha, Rebeca Carvalho e Diante do Trono.
A DMG Music (Digital Music Group) atua como selo e distribuidora, com nomes como Bruna Karla, PC Baruk e Get Worship.
Outros selos que representam a nova geração são a Flame Music (com Diego Karter, Andréa Fontes, Mari Rocha e Salomão), Brasas Music (com Theo Rúbia, Carol Braga, Jhonas Serra e Felipe Rodrigues), Ambos fundado por Jander Pires. Bless Music de Niwton Barros (com Chagas Sobrinho), e a Ventania da Jacqueline Palheiro que tem no cast o grupo Vocal Livre.
Mercado em expansão
O mercado fonográfico brasileiro registrou um crescimento de cerca de 21% no 1.º semestre de 2024, com receitas de ~USD 256,4 milhões, dos quais ~99,2% vieram do streaming.
O Spotify divulgou que em 2024, os artistas brasileiros geraram mais de R$ 1,6 bilhão em royalties na plataforma no Brasil, com crescimento de 31% em relação ao ano anterior.
No relatório de 2020, há menção de que o gênero gospel (“música gospel”) estava crescendo fortemente no Brasil, com crescimento anual estimado em 44% entre 2015-2019.
Também foi citado que o gospel correspondia a uma parcela expressiva do mercado fonográfico brasileiro (“mercado gospel estimado em R$ 2 bilhões/ano” em 2018) e que circula fortemente em plataformas digitais e continua crescendo.
Legado, fé e transformação
Cada gravadora, antiga ou atual, representa uma fase da fé brasileira traduzida em som. Juntas, elas formam a trilha sonora da espiritualidade de milhões de brasileiros.
Mais do que empresas, são ministérios que ajudaram a profissionalizar o louvor, a valorizar o talento cristão e a provar que excelência e unção podem caminhar juntas.
Hoje, o mercado gospel é global, conectado e digital, mas sua essência continua a mesma: cantar o Evangelho e transformar vidas.
